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Como será o retorno às aulas? Como será a escola daqui para a frente? As incertezas são muitas, mas se algo parece certo neste momento é que não será possível retomar de onde paramos. O dito “novo normal” tem sido sinônimo da necessidade de intensas mudanças que, por sua vez, pode colaborar para a ressignificação do papel das escolas e da relação das pessoas com a educação em diversos sentidos.

Com quase três décadas de experiência como professor do ensino básico e uma trajetória voltada à gestão educacional, Miguel Thompson, doutor em Oceanografia pela USP e atualmente diretor acadêmico da Fundação Santillana, acredita que além dos impactos diretos na educação, as consequências da pandemia no mundo resultarão em mudanças significativas no cenário social de modo geral.

Para Thompson, esse cenário evidencia as desigualdades sociais. Uma amostra desse abismo social é a crise do conhecimento que ficou nítida por meio da negação das narrativas científicas e da contestação de dados resultantes de pesquisas e estudos, amplamente observados neste momento. 

No campo da educação, ele alerta para a necessidade de analisar o novo contexto para além do aspecto técnico. Se por um lado há a realidade de escolas particulares que estão conseguindo manter o vínculo com os alunos com um aparato de soluções tecnológicas – plataformas e aplicativos educacionais – de outro, muitos alunos de escola pública estão sem alternativas eficientes de seguirem suas atividades. Assim, ao final desse período, ele acredita que estaremos imersos em um país onde as diferenças sociais estarão ainda mais acentuadas e com impactos na vida de toda sociedade.

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A vida organizada em checklists

As crises serão o novo normal, avalia Thompson. Ele lembra que o mundo vive em crises cíclicas e compara os efeitos da Bomba Atômica de Hiroshima e Nagasaki com as consequências do novo coronavírus. Segundo ele, essa é a crise mais radical desde o começo do século XX e ensinará trabalhar na urgência e decidir na incerteza.

“Uma das coisas que vamos ter que fazer é organizar nossas escolas em processos e em checklists”, afirma Thompson. Toda a rotina escolar precisará ser organizada processualmente desde a entrada da escola, com instruções claras para os pais, abertura de portões com tempo de entrada organizado para evitar aglomeração, entre outras medidas de ordem prática. “A adaptação será um desafio já que a cultura brasileira é mais espontânea e não está tão habituada a regras mais rígidas no cotidiano”, diz.  

Considerar os aspectos mentais e físicos será ainda mais necessário após a pandemia. A atividade física diminuiu com isolamento, assim como o agravamento de questões relacionadas ao estresse causado pelo isolamento social farão parte da nova rotina. Será fundamental pensar a integralidade das pessoas, aspectos que são discutidos pelos educadores em virtude da Base Nacional Comum Curricular. “A escola vai ter que abarcar e entender mais ainda o ser humano integral e atuar com profissionais de educação física, artes, trazer psicólogos e família para estarem mais atuantes nessa nova escola”, orienta. O trabalho multidisciplinar tende a ser fortalecido na volta às aulas.

Além do conteúdo curricular

Miguel Thompson acredita que muitas escolas que conseguiram manter suas atividades remotamente estão orgulhosas por estarem “entregando o conteúdo”. Segundo ele, essas são escolas que ainda estão muito atreladas à transmissão de conteúdo curricular, ou a “tradição enciclopedista”- uma herança iluminista dos séculos 18 e 19, com uma rotina de reunião, organização e transmissão do conhecimento – um modelo que, segundo defende, é insuficiente na preparação do jovem atual. 

Muitas vezes essas características ficam claras quando o foco do ensino é centralizado em resultados e aprovações (Enem e vestibulares). “Se a questão é só cumprir o currículo, em um mundo tão complexo, essa escola está descontextualizada”, afirma.


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O ideal, segundo ele, é que a escola esteja cumprindo parte do programa curricular, mas, sobretudo, contextualizando e articulando o conteúdo com a realidade e com o desenvolvimento das competências socioemocionais e a formação cidadã com consciência da vida em sociedade, dos direitos humanos, e assim, com capacidades de “ler o mundo”.

A realidade deve fazer parte da dinâmica das aulas, inserindo informações atualizadas, orientações de saúde, conversas sobre como está sendo a dinâmica para cada um. “Vamos ter que pensar a educação como um processo comunitário, com o ideal de um país mais fraterno, conectado e ligado à criatividade”, acredita.

 

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