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A volta às aulas presenciais é a grande expectativa do momento no mercado educacional. Conversamos com três pessoas que já viveram essa experiência no exterior, para ajudar profissionais brasileiros a enfrentar a reabertura das escolas e a manutenção das aulas on-line no modelo de ensino híbrido.

 

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Portugal

A educadora Maria da Conceição Bracons é coordenadora do departamento de educação pré-escolar no grupo de escolas de São Julião da Barra, em Oeiras, região metropolitana de Lisboa, em Portugal. O chamado agrupamento do ensino público português conta com 5 escolas e cerca de 3.000 alunos.

Maria da Conceição explica que, em Portugal, a educação pré-escolar, para crianças de 3 a 6 anos, não é obrigatória e não existe um currículo fixo e obrigatório. O que existe, segundo ela, é um documento do Ministério da Educação, com orientações pedagógicas dos aprendizados que as crianças daquelas idades devem atingir. 

A educadora conta que as aulas, em Portugal, foram retomadas de forma parcial, com um menor número de alunos por sala:

“Nós temos 11 turmas e só reabrimos 3 delas, para crianças do Jardim de Infância. Isso facilitou muito, pois aumentou a proporção de adultos/crianças na escola. Em vez de termos 25 alunos em cada sala, passamos a ter cerca de 12. Com isso, tivemos mais espaço também. Cada educadora passou a ter um espaço independente, sem que crianças de turmas diferentes se encontrassem. O refeitório também foi totalmente reorganizado em função dessas 3 turmas e ainda usamos o ginásio como espaço auxiliar para as refeições.”

 Segundo a professora, em setembro as aulas retomam já em um esquema diferente, com todos os alunos do Fundamental 2 também na escola: “Vamos passar a ter 25 crianças dentro de uma sala, então o distanciamento não vai ser igual. O espaço não vai ser tão reservado quanto agora.”

Com relação ao ensino a distancia, Maria da Conceição conta que a escola optou por não dar aulas remotas todos os dias, somente duas vezes por semana. “O que optamos por fazer todos os dias foi mandar e-mails para os pais com propostas de trabalho, pedindo sempre um feedback deles. Essa é uma forma de valorizar o que cada família faz e incentivar outras a se envolverem no processo educacional.”

 

Estados Unidos

O brasileiro Leonardo Taves é proprietário de uma franquia do grupo de escolas The Learning Experience, no Texas. O grupo tem 250 escolas nos Estados Unidos e a unidade dele atende crianças entre 6 semanas e seis anos de idade. 

Leonardo, com ampla experiência de trabalho no mercado financeiro, conta que todas as escolas do país foram obrigadas a fechar totalmente por uma semana, no início da pandemia, por ordem judicial. Mas depois, por pressão de pais e de profissionais, foram autorizadas a reabrir com uma série de regras, como aceitar somente filhos de pais com as chamadas “profissões essenciais”, de acordo com uma lista preparada pelo governo. 

“Isso ocorreu durante cerca de 3 ou 4 semanas. Depois houve uma abertura gradual para pais de outras áreas também.” 

Segundo Leonardo, no começo da pandemia, apenas 60 escolas da rede The Learning Experience se mantiveram funcionando, incluindo a dele. 

“No pré-crise tínhamos uma ocupação de cerca de 90% e chegamos a 16% no começo da crise. Com isso, nós tínhamos dois grandes desafios: manter a escola em um patamar de sobrevivência financeira e manter os pais engajados. Nós tivemos que nos reinventar para sobreviver e ter o suporte do grupo foi muito importante.” 

Leonardo explica que, nos Estados Unidos, os pais podem dar um aviso prévio de 15 dias para retirar seu filho do colégio. “Imagine cerca de 70% dos pais suspendendo o pagamento, de uma hora para a outra. Nós passamos uma semana telefonando para todos os pais e perguntando que percentual de mensalidade eles se sentiam confortáveis em pagar durante o período em que o filho não estivesse no colégio: 75%, 50%, 25% ou 0. Não existia nenhuma obrigatoriedade e os pais contribuíam com o que quisessem/pudessem. E esse valor seria abatido de futuras mensalidades. Com isso, nós conseguimos um engajamento muito grande dos pais: praticamente 80% deles contribuíram com algum valor, mesmo não mandando seus filhos para o colégio. Isso permitiu que a gente completasse nossa primeira prova de sobrevivência.”

O proprietário da escola conta que a lista de desafios era interminável, entre eles: renegociar contratos, aprender a fazer as videoaulas, manter as famílias engajadas e lidar com o risco de quem se manteria trabalhando fisicamente.

“Existe muito receio em trabalhar em um ambiente de pandemia, ainda mais para pessoas com problemas de saúde, como asma, diabetes. Tivemos que dar licença para vários profissionais poderem ficar em casa, reduzindo o pessoal. Isso foi possível pois também houve redução de alunos. Fora isso, era preciso dar segurança aos pais, garantindo que seus filhos estariam seguros.”

Leonardo conta que, se alguém do staff tiver sido exposto ao vírus, é obrigado a sair do colégio e fazer a testagem, que muitas vezes demora entre 3 e 5 dias para ter o resultado. Dando positivo, a pessoa tem que ficar 14 dias afastada. “Apesar de termos um número menor de alunos dentro da escola, o corpo docente precisa ser grande por conta dessas substituições.” 

Outro desafio foi lidar com a escassez de produtos de limpeza no mercado: 

“A gente usava duas empresas específicas para a compra de material de higiene, como álcool gel e cobertura para sapatos. De repente, esses materiais não estavam mais disponíveis, mesmo muitas vezes tendo triplicado de valor. Por sorte, eu tinha material estocado. Usamos na escola, por exemplo, 1.000 luvas de vinil por semana.”

 A mudança na rotina da escola foi outra dificuldade. Leonardo explica que teve que fazer uma revisão total da parte curricular, didática, administrativa, financeira, fora fazer um treinamento com todo o pessoal on-line, exigindo que eles acertassem 100% das perguntas para trabalhar. 

“Antes da pandemia, os pais chegavam, faziam o check-in eletrônico de seus filhos e levavam cada criança até a sua sala. Isso terminou com a proibição da entrada dos pais no colégio. Tivemos que mudar para um sistema de concierge, ou seja, receber todas as crianças na porta, medir a temperatura e fazer 4 perguntas aos pais, para permitir a entrada dos alunos: se a criança tem algum sintoma, se está usando algum tipo de medicamento, se foi exposta a pessoas infectadas, e se tem alguém no ambiente familiar com algum sintoma. Os pais precisam ser parceiros nessa hora, ajudando para que a escola funcione da melhor maneira possível, pensando no bem comum. Eles precisam confiar nos nossos procedimentos, para enviar seus filhos novamente para a escola e nós precisamos confiar neles.”

Leonardo Taves conta que ainda faziam uma segunda medição de temperatura dentro do colégio durante o dia. Sobre o serviço de refeições, a escola também mudou o esquema de buffet para serviço de pratos montados individualmente. No país, as escolas receberam a orientação do governo de manter turmas menores durante a pandemia.

“Não é uma obrigação, mas uma recomendação. Se antes a gente tinha 22 alunos em cada sala, passamos a ter entre 10 e 13, apesar de haver fila de espera. Nossa ideia é manter isso até dezembro, para garantir maior segurança às famílias e facilitar a engrenagem. Esse número já faz com que a escola funcione de maneira positiva financeiramente.”

 

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China

Na China, o professor de educação física José Luiz Carille trabalha em uma escola em que os alunos passam dez dias corridos na instituição de ensino e depois voltam para casa, onde ficam 4 dias. Segundo ele, os alunos da escola Adcote School são de diversas regiões chinesas e isso dificultou ainda mais a reabertura da escola, pelos riscos de contaminação diferentes de região para região.

Segundo José, foram três meses de aulas on-line, antes de voltar ao esquema presencial:

“Para mim, a maior dificuldade no início era passar exercício físico on-line para alunos do ensino infantil e fundamental, cativando cada um deles, fazendo coisas diferentes a cada aula. Como nem todos os alunos têm materiais esportivos em casa, eu criei jogos com bichos de pelúcia, objetos da cozinha e da sala. O que nos ajudou muito em todo o processo foi o bom relacionamento com os pais; eles foram a chave para tudo correr bem nesse período. Sem falar que a cultura da educação na China é muito forte. Isso muda muito.”

Segundo José, na volta às aulas presenciais, os alunos passaram a ficar na escola durante um mês, e não 10 dias. Ele explica que, primeiramente, voltaram os alunos do ensino médio, depois fundamental e por último infantil.

“Um mês antes de as aulas voltarem, todos os pais tiveram que fazer um cadastro e passar informações diárias sobre os alunos e seus familiares. A China criou um sistema de tecnologia incrível, o chamado Green Code, um aplicativo vinculado ao telefone e passaporte de cada pessoa. Esse app mostra a localização de cada pessoa e indica se ela esteve em um local mais afetado pela pandemia. Quando isso acontece, a luz fica laranja. Só quando a luz dá verde você pode ir e vir para qualquer lugar. Isso tem sido muito importante para dar segurança aos pais.”

Três vivências em países com realidades muito diferentes. Mas fica uma mensagem em comum de Maria da Conceição, Leonardo e José: a melhor maneira de lidar com os desafios do mercado educacional no momento é criar uma forte aliança entre a escola e a família. Afinal, o momento nos mostra, em todos os sentidos, que dependemos uns dos outros para sobrevivermos e sairmos fortalecidos dessa crise.

 

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