Heutagogia: a busca por autonomia e protagonismo no ensino em tempos de isolamento social
A suspensão das aulas presenciais promoveu uma mudança radical no modelo de ensino em praticamente todo o mundo. De uma hora para a outra, as escolas tiveram que transportar a “sala de aula” para dentro da casa dos alunos, muita vezes via internet. Essa transformação, no entanto, acabou por incentivar fortemente uma tendência há muito falada no universo educacional: o protagonismo do estudante na hora de aprender. E aí surge com força total uma palavra talvez desconhecida por alguns, mas muito atual: a Heutagogia.
A palavra Heutagogia vem do grego heutos, que significa auto, e agogus que quer dizer guiar. O termo foi usado pela primeira vez na década de 90, por Stewart Hase e Chris Kenyon, da universidade australiana de Southern Cross. Foram eles quem criaram o conceito da Heutagogia como um novo modelo de aprendizagem aplicado aos alunos que autodeterminam o que querem aprender, quando querem aprender e como querem aprender. Ou seja, os estudantes determinam sua própria trilha de aprendizagem – um modelo no qual o aluno é o principal agente do seu aprendizado.
“A heutagogia exige autodidatismo, autodisciplina e auto-organização”, diz Enilton Ferreira Rocha, conselheiro na Associação Brasileira de Ensino a Distância (ABED). Enilton, que é Administrador de Empresas com especialização em Implementação e Gestão de EAD, diz que a heutagogia é mais indicada para jovens e adultos com perfil intelectual ativo, pessoas determinadas a se desenvolverem pessoalmente e profissionalmente, capazes de realizar uma boa curadoria de conteúdo, assim como de criar metas e estratégias de aprendizagem.
No entanto, o especialista diz que a heutagogia pode ser usada de forma mais ampla neste momento em que são necessárias mudanças substanciais na forma de aprendizagem das pessoas.
“Creio que seria uma alternativa fora do sistema formal educacional brasileiro, pois isso ajudaria, em muito, no desenvolvimento intelectual, técnico e produtivo de milhares de brasileiros com perfil para este modelo de aprendizagem autodeterminada. Seria uma parceria na autoformação de profissionais em diversos campos da ação econômica e social,” diz Enilton.
O conselheiro da ABED não acredita que o método seja apropriado ou recomendado para crianças, mas, sim, para adolescentes e adultos, “dependendo entretanto do perfil sociocultural desses atores, dos seus backgrounds para compreenderem e se apropriarem da fundamentação teórica e de seus significados e poderem aplicá-los adequadamente, como agente único e ativo de sua trilha de aprendizagem.”
Segundo Enilton, “em alguns pontos da Psicopedagogia essa conexão poderia ser recomendada, mesmo que de modo gradativo e contextualizado”.
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Heutagogia e tecnologia
O processo de autoaprendizagem é fortemente ligado ao uso da tecnologia, pois, por meio dela, as pessoas podem realizar aulas a distância, pesquisas online, discussão em grupos, videoconferências… Esse modelo de aprendizagem é bem diferente da tradicional pedagogia, na qual o ensino é determinado por decisões do professor, que decide o que e como ensinar, a partir de um currículo pré-determinado. Na Heutagogia, o professor só aparece no caso de o aluno querer e pedir sua ajuda.
A Heutagogia reconhece o aprendizado do dia a dia, sem a existência de um professor necessariamente e valoriza muito o conhecimento compartilhado. O estudante é o responsável por determinar o conhecimento que necessita, por buscar o conteúdo e planejar qual metodologia de ensino lhe serve melhor. Com isso, os “alunos” desenvolvem sua capacidade de aprender de forma autodidata, fomentam sua proatividade e desenvolvem sua autonomia.
Na era da internet, o método Heutagógico se destaca como modelo de aprendizagem, pois o aluno pode estudar em qualquer tempo e em qualquer lugar, de forma extremamente flexível, por meio de ferramentas digitais e ambientes virtuais. Por isso, o termo está diretamente ligado à tecnologia da informação e à comunicação e com o e-learning.
Heutagogia x Andragogia
A Heutagogia expande o conceito de outro modelo de aprendizagem denominado Andragogia, no qual, assim como na Pedagogia, ainda é o professor que determina o conteúdo a ser estudado, como um facilitador.
Andragogia
A Andragogia é a arte ou ciência de orientar os adultos a aprender. Vem do grego andro, que significa adulto, e gogos que significa educar. A Andragogia foi usada pela primeira vez em 1833, pelo pedagogo alemão Alexander Kapp, mas só foi difundida na década de 70 por meio do educador americano Malcolm Knowles.
A Andragogia parte do princípio de que os adultos aprendem de forma diferente das crianças porque, diferentemente dos menores, eles já possuem pré-conceitos. Outra diferença em relação à Pedagogia, é que na Andragogia o professor atua como um facilitador da conexão de conceitos.
A Andragogia é muito usada no meio corporativo em treinamentos e em cursos de graduação e pós-graduação, pois as pessoas que participam têm papel extremamente ativo e se tornam protagonistas do seu próprio aprendizado, trocando experiências com os outros.
“Do ponto de vista da Andragogia, acredita-se que este seja o momento ideal para explorar seus dez pressupostos, em especial os da autonomia, iniciativa, mudança de rumo, experiência de vida, de busca e valor agregado. O momento é muito propício para as instituições de ensino superior que estão utilizando o modelo EAD inserirem em seus processos metodológicos o modelo andragógico,” completa Enilton Ferreira Rocha.
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