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A Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem, a Talis (Teaching and Learning International Survey) realizou em 2018 a sua terceira edição e avaliou dados de 48 países com o objetivo de mensurar as condições do cenário da educação. A pesquisa é realizada desde 2013 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE. A primeira etapa de divulgação dos resultados aconteceu em 2019, a segunda está prevista para março de 2020. 

Com sede em Paris, a OCDE é uma organização internacional que reúne 36 países membros, a maioria composta por países desenvolvidos. Conhecida como o “clube dos ricos”, representantes se reúnem para alinhar políticas e trocar informações para potencializar o crescimento econômico e desenvolver políticas públicas. Integrar a OCDE tornou-se estratégico e a inclusão de novos países é um processo lento. O Brasil não faz parte, mas tenta aproximação gradual. 

A OCDE entende que a melhoria da educação é ponto chave para o desenvolvimento econômico das nações. No Brasil, a Talis é aplicada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e seu foco é avaliar o ambiente de ensino e aprendizagem através da percepção de professores e diretores sobre: suporte escolar para eficácia do ensino, desenvolvimento dos professores na profissão, efetividade do ensino, atratividade da carreira docente e a permanência de professores na carreira.

 

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Segundo o Inep, a comparação de informações atualizadas visa ajudar os países na revisão e definição de políticas para o aprimoramento da profissão docente. Os dados foram recolhidos através de questionários on-line por meio de articulação do Inep com as Secretarias de Estado da Educação. A amostra brasileira foi definida com base no Censo Escolar e abrangeu escolas com turmas do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) e Ensino Médio.

 

Impacto do bullying nas escolas

A segurança é tema recorrente entre educadores. Na pesquisa sobre a ocorrência de bullying nas escolas, 28% dos entrevistados relataram que nos anos finais do ensino fundamental, o bullying entre os alunos ocorre semanal ou diariamente. A média Talis de 2018 era de 13% – o que coloca o Brasil em uma situação de aumento em comparação com a média da América Latina.

Fonte: Inep

Já no ensino médio o fenômeno também acontece semanalmente ou diariamente (18%), com mais incidência nas escolas públicas (23%) em contraste com as escolas privadas, onde a ocorrência fica em 7%. A média é considerada alta em comparação com países como Eslovênia e Turquia onde a média é de 5% e Emirados Árabes (6%).

Fonte: Inep

Importante ressaltar que o bullying não se restringe somente aos alunos. Professores e equipe escolar também são alvos de violência verbal: 10% registraram que a intimidação acontece semanalmente. A média internacional é de 3%. 

 

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Desvalorização de professores

A jornalista Carina da Silva Bentlin fez imersão na escola estadual de ensino médio “Armando Falcone”, em Artur Nogueira (SP). A ideia era conhecer a realidade dos professores. Como professora substituta, sua primeira experiência foi dar duas aulas de sociologia para alunos do terceiro ano. Os dez primeiros minutos foram perdidos para fazer a chamada. Em uma sala com quarenta alunos chamar cada um pelo nome e escutar a resposta não é tarefa simples. 

Ao iniciar o conteúdo, as pausas para pedir silêncio e atenção foram constantes. Em duas aulas de 50 minutos cada, aproximadamente 30 foram desperdiçados. Pode-se imaginar que o tempo restante para a aula não foi aproveitado em profundidade. Já na sala ao lado, a professora improvisou uma pequena caixa de som amplificada e microfone para conseguir ser escutada, “São anos lecionando, chega uma hora que a voz não dá conta. Para conseguir dar todas as aulas do dia preciso de microfone”. Ela tem razão. Carina ficou praticamente sem voz com apenas duas aulas.

Essa realidade foi identificada nas respostas dos 2.400 educadores entrevistados sobre a gestão de tempo em sala de aula. Eles relataram passar apenas 67% do tempo dedicados ao ensino, o restante perde-se na tentativa de manter ordem na sala ou em funções administrativas. Para conter a bagunça dos alunos é usado 20% do tempo da aula. Países como África do Sul e da Arábia Saudita ficam atrás do Brasil nesse quesito. A média dos outros países é de 78% do tempo dedicado só ao processo de aprendizagem.

 

Valorização do professor

Apesar da saberem a importância do papel do professor e relatarem que a profissão vale a pena, apenas 10% dos professores se sentem valorizados, tanto na rede pública, como na privada. A média Talis é de 32% e de 23% para a América Latina. A motivação para o exercício da profissão é determinante para a permanência do professor em atividade. 

A falta de recursos para otimizar o ensino também se mostrou como um fator de desânimo entre os docentes. Os diretores brasileiros das escolas de anos finais destacaram maior dificuldade em gerir a instituição principalmente quando falta acesso suficiente à internet (64%) e quando não contam com um quantitativo de professores com competência para ensinar alunos com necessidades especiais (60%) – percepções essas bem acima da média América Latina (51% e 41%, respectivamente) e da média Talis 2018 (23% e 31%, respectivamente).

 

Automotivação

Os professores brasileiros se mostraram bastante conscientes na percepção do exercício da profissão no desenvolvimento da sociedade. Perguntados sobre as razões em seguir na profissão, 95% dos professores do ensino fundamental responderam que a possibilidade de influenciar no desenvolvimento de crianças e adolescentes é um fator motivador, bem como ajudar alunos socialmente desfavorecidos (94%) e contribuir para a sociedade (97%), em todas as variáveis o Brasil está acima da média identificada nos demais países. No ensino médio os percentuais oscilam entre 92 a 96%.

Extrapolando os números e tabelas, a pesquisa demonstra a centralidade da qualidade da educação na discussão e a importância de criar melhorias para “recrutar, reter e desenvolver professores para garantir resultados de alta qualidade em sistemas de ensino em todo mundo” (relatório Talis). A pesquisa é um termômetro da percepção dos educadores sobre a realidade educacional brasileira, sendo a primeira pesquisa internacional a mensurar o ambiente de aprendizagem e condições de trabalho oferecidas aos professores. Além de ser um balizador para orientar as políticas públicas de educação, na prática aponta os pontos sensíveis da gestão escolar e que merecem aprofundamento de atenção dos envolvidos.

 

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