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Quando se fala em sala de aula, a primeira imagem que vem à cabeça de muitos é a do professor na frente da turma, escrevendo na lousa e ministrando uma aula expositiva, acompanhada por estudantes com livro didático. Esse modelo tradicional de ensino, entretanto, tem sido cada vez menos escolhido por famílias que querem que as crianças não aprendam de forma passiva. Uma alternativa a essa metodologia são as abordagens ativas de ensino, que podem englobar diferentes práticas em sala de aula e têm como foco estimular que o aluno seja o protagonista da própria aprendizagem. A Profa. Ma. Bete P. Rodrigues, consultora educacional e Trainer em Disciplina Positiva, ressalta os ganhos desse caminho: “Não dá para continuar sendo uma escola do século XIX, com professores do século XX e alunos do século XXI. Esse aluno, hoje, tem habilidade com as novas tecnologias, com as telas, com a rapidez de transitar de um modelo para o outro; ele ouve uma música, assiste a um vídeo, faz uma pesquisa, responde perguntas, se encontra em uma sala de bate-papo – seja virtual ou pessoalmente – para discutir um tema… então acho que o grande segredo dessa sala de aula que funciona é a diversidade, é a variação”.

Bruno Ferrari, diretor de produtos no Nave à Vela (startup que tem o foco de promover a inovação nas escolas), reforça essa questão da tecnologia, que permite que as pessoas tenham acesso à informação de maneira bastante ativa. “Se pensamos, por exemplo, na geração que cresceu assistindo à televisão, que tem uma programação pré-determinada, e a geração de agora, que tem acesso aos serviços de streaming e que escolhe ao que e quando vai assistir, enxergamos a mudança que houve nesse aspecto. Nesse cenário, a escola ficar dentro do modelo passivo, em que o aluno só consome o que é escolhido pelas outras pessoas como relevante para ele, não faz mais tanto sentido”.

Nas abordagens ativas, o professor não é uma figura isolada que repassa o conhecimento, e sim um companheiro de jornada, que pode trabalhar para construir atividades mais ricas e centradas na individualidade dos alunos. E isso não está restrito apenas às aulas presenciais: o EAD também pode contar com essas práticas, que são muito importantes, já que na educação remota é necessário ainda mais autonomia e comprometimento dos alunos.

 

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Exemplos de abordagens ativas que podem ser aplicadas em sala de aula

Existem diversas práticas que podem ser desenvolvidas nas instituições de ensino para trabalhar as metodologias ativas. Uma delas é o ensino híbrido, que mescla as atividades realizadas presencialmente, na escola, com as realizadas on-line. A ideia é que ambas se complementem, proporcionando diferentes formas de ensinar e aprender.

A sala de aula invertida é uma metodologia ativa bastante conhecida e utilizada, que funciona em dois momentos: on-line, antes da aula presencial, quando o aluno estuda sozinho, aproveitando o conteúdo da internet; e durante a aula, quando ele compartilha o que estudou e troca aprendizados com o professor e os colegas de sala.

A escola Luminova, em São Paulo, trabalha com essas metodologias. Apostando nas abordagens ativas desde o início de sua operação, ela investe também nos professores, para que eles saibam as melhores maneiras de apoiar os alunos nesse processo. “Todo professor contratado é convidado a fazer uma pós-graduação especializada nesse tema. Trabalhamos, em primeiro lugar, com a escuta ativa, que é o processo de perceber, por meio de diálogos com os alunos, quais são as suas reais necessidades e como fazer para se conectar com eles. Além disso, utilizamos aprendizagem híbrida – mídias digitais e impressas – e conceito de sala de aula invertida, que consiste na preparação prévia do aluno para a aula, promovendo momentos de debates e provocações dialéticas para a produção de argumento a partir de dados ou fatos já apresentados”, conta Luizinho Magalhães, diretor acadêmico da Luminova. Ele ressalta, também, os benefícios que essas práticas trazem para a escola: “Os ganhos principais são incentivar o pensamento crítico do aluno, criando mais interesse sobre o conteúdo e uma participação ativa nas aulas, além de estimular habilidades socioemocionais, que são fundamentais para a vida desse aluno fora da escola e que também agregam em seu futuro profissional”.

 

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Também há a aprendizagem baseada em projetos e a aprendizagem baseada em problemas. Na primeira, os alunos constroem os próprios saberes por meio da solução de desafios, se esforçando para criar, explorar e testar as hipóteses a partir de suas próprias vivências, com a utilização de recursos que vão além do livro didático. Já a segunda é focada na parte teórica de resolução de casos e permite construir o conhecimento por meio de debates e discussões em grupo. “Acho que o foco não é ensinar aos alunos o que pensar, mas sim como pensar, por isso, uma abordagem em que acredito demais é o uso de perguntas; é por isso que projetos, por exemplo, são tão eficientes, porque partem de perguntas reais, e os alunos se propõem a investigar possíveis respostas para aquela hipótese”, explica Bete.

A escola Villare, em São Caetano, trabalha com a aprendizagem baseada em projetos. Para a diretora Lígia Colonhese Berenguel, essa modalidade, a partir de um contexto de pesquisa, permite que o aluno aprenda por meio da interação com os colegas e desenvolva a capacidade argumentativa, bem como as habilidades de planejamento, de análise e de comunicação.  “Pensamos que os projetos são ricas oportunidades para que se quebrem as fronteiras disciplinares e até mesmo o tempo didático, pois possibilitam aos alunos e professores experimentarem, ao longo do seu processo, vivências que ultrapassam a sala de aula e abarcam estudos do meio e intervenções na comunidade”.

Com o objetivo de utilizar jogos e desafios, a gamificação é uma boa alternativa para gerar engajamento e motivar a aprendizagem de modo criativo. Essa também é uma boa maneira de ajudar os estudantes a perderem a resistência diante de temas complexos.Outra aposta é a cultura maker, que tem como essência a ideia do “faça você mesmo” aplicada à educação. Assim, por meio de atividades “mão na massa”, é possível realizar o enfrentamento de desafios por meio da construção de soluções práticas. A escola Villare também trabalha com ambas as abordagens.

A aprendizagem entre pares funciona bem para facilitar, por meio do trabalho em duplas, o entendimento dos conceitos que são explicados, contribuindo ainda para a formação do pensamento crítico e para o desenvolvimento da capacidade de respeitar as opiniões divergentes.

Um recurso que também é bastante eficaz é o storytelling, que aumenta em até 20 vezes a probabilidade de memorização dos alunos. Ele desperta a curiosidade e incentiva a empatia, ajudando a fixar o conhecimento. Quando se fala em metodologias ativas, é essencial ainda dar ao aluno um papel dentro da história, adequando a narrativa às respostas que vão aparecendo.

Os estudos do meio, por sua vez, proporcionam uma imersão pedagógica em locais que vão além da sala de aula. A interação com o ambiente permite o diálogo entre a teoria e a prática, o desenvolvimento de um olhar crítico e investigativo e a possibilidade de explorar o caráter interdisciplinar das atividades. Na escola Villare, os espaços educativos possuem especial valor, pois, segundo Lígia, também são considerados os contextos investigativos. “Nossos ambientes são pensados cuidadosamente e contemplam grande diversidade de materiais e desafios exploratórios. Pensamos a composição dos espaços educativos a partir de múltiplas linguagens, que abrangem as artes visuais, a música, o teatro, os meios digitais, a literatura, as ciências, dentre tantas outras”, conta.

 

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Como implementar as abordagens ativas?

Algumas instituições de ensino trabalham as abordagens ativas desde suas origens, mas como iniciar essas práticas depois de anos de ensino tradicional? O colégio Novo Ideal, em São Paulo, passou por esse processo. O coordenador pedagógico Edson Cayres de Azevedo conta que, desde 2015, eles começaram a se inquietar com as metodologias que eram muito focadas apenas no conhecimento passado pelo professor, em que os alunos absorviam o conteúdo de forma passiva, e que começaram a formar grupos de estudos com o corpo docente para encontrar novos caminhos. “Queríamos buscar o protagonismo do aluno, e a primeira ação foram algumas aulas em formato híbrido; dividimos a sala em pequenos grupos, cada um com uma proposta diferente dentro de um mesmo tema, e começamos a perceber que, quando o aluno passa a ter outras oportunidades de aprendizagem que não a aula expositiva, o interesse dele vai mudando. Além de terem melhor desempenho e de desenvolverem outras habilidades, como a de pesquisa, de se expressar sobre diferentes temas, usar a tecnologia a favor da aprendizagem, essa prática trouxe mais autonomia para eles”, afirma.

Em paralelo a esse processo, o Novo Ideal começou a observar um crescimento no número de estudantes com deficiência, por conta das boas práticas que já eram realizadas na escola, e Edson conta que as metodologias ativas ajudaram muito no processo de inclusão: “Começamos a lidar com os alunos dentro das suas especificidades, e não naquelas ‘caixinhas prontas’ que a gente colocava anteriormente, achando que todos aprenderiam da mesma forma. Começamos a perceber que teríamos de direcionar individualmente cada aluno dentro do seu processo de aprendizagem, e que tinha de ter um investimento nesse sentido, inclusive na formação dos profissionais. Então, começamos a trazer especialistas para fazer acompanhamento conosco e isso foi se aprimorando”, explica ele, que ressalta também que o ensino ficou mais assertivo para todos os alunos – os que tinham deficiência, os que tinham dificuldade de atenção ou aprendizado e todos os demais, que passaram a contar com uma aprendizagem mais focada nas necessidades de cada um.

 

Principais desafios

As abordagens ativas, de fato, proporcionam muitos ganhos para as escolas e para os alunos. Mas trabalhar com essas metodologias ainda é um desafio para muitas instituições. Bete ressalta que há uma geração de professores que não pôde aprender com perguntas e, dessa forma, às vezes encontram dificuldade de colocar isso em prática. “O maior desafio é que nós, professores, não tivemos aulas com recursos tecnológicos variados, com boas perguntas, com professores motivadores, que soubessem usar essas tecnologias, ou outros recursos como diferentes tipos de perguntas e de interação, grande variedade de materiais, tudo isso para que os alunos pudessem levantar hipóteses de como colocar aquele ponto teórico na vida prática”, explica, reforçando ainda a importância dessa boa comunicação, de fazer boas perguntas, de ouvir as respostas dos alunos, de encorajá-los, motivando-os e valorizando o esforço de cada um, conectando e comparando – não de uma forma que gere competição, mas que compare o aluno com ele mesmo, observando o que é positivo, o crescimento dele, e dando esse feedback constante e contínuo. Ela diz que é preciso ter uma preocupação menor em dar notas finais e maior em acompanhar mais de perto esse processo. “O que acho que é fundamental, e que deveria mudar em todas as escolas, é a inclusão de mais processos de autoavaliação, de os alunos serem capazes de fazer uma autorreflexão de como foi ou está sendo o processo de aprendizagem para eles”.

Outro ponto importante foi levantado por Bruno: ele afirma que as escolas têm o desafio de entender que as abordagens ativas não são apenas uma lógica adicional que é somada à instituição, mas sim que essas propostas precisam partir de uma reflexão sobre como a escola deveria mudar – e se transformar. “Existem maneiras mais agressivas, que mudam mais rápido, e outras menos disruptivas, que permitem que as escolas façam esse processo aos poucos. Mas o ponto de partida é que o colégio esteja aberto a essa mudança, que comece a olhar para o seu espaço, sua rotina, sua organização de agenda e proponha uma reflexão para entender qual é o melhor funcionamento para os alunos, e esteja disposto a sair do ‘vamos fazer assim porque sempre fizemos’. A partir daí, as escolas podem olhar as referências de metodologias ativas que já existem e adaptá-las à sua realidade, às vezes melhorando e personalizando um tipo de atendimento para uma necessidade específica”, finaliza.

 

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